A violência política ameaça roubar as maiores conquistas do povo angolano nas eleições de 2022: a consolidação das liberdades de expressão e de escolha, num ambiente de controlo absoluto da comunicação social por parte do Estado, da organização do processo eleitoral e dos meios públicos a favor do partido que governa Angola há 47 anos.
É este o caso do município do Bocoio, em Benguela. Desde o fim da guerra, em 2002, o Bocoio tem vivido períodos cíclicos de violência política, que se agravam na altura das eleições e acabam por dividir as famílias.
O caso mais recente ocorreu a 2 de Setembro passado. Indivíduos provenientes das aldeias de Balanço e Fasil atacaram o Secretariado Municipal da UNITA, na comuna sede de Monte Belo. O balanço da UNITA aponta, como resultado desta acção, dez feridos, a carbonização de três viaturas, a vandalização de uma quarta, a carbonização de quatro motorizadas, o roubo de dez computadores e a queima de material de escritório nas suas instalações.
Em comunicado de imprensa, o Comando Provincial da Polícia Nacional em Benguela referiu-se a “actos de intolerância protagonizados por militantes de dois partidos políticos, UNITA e MPLA”, e lança um apelo aos próprios partidos “no sentido de pautarem a sua conduta pelo estrito respeito à Constituição e à lei, evitando-se actos susceptíveis de alteração da ordem, preservando a paz duramente conquistada pelo povo angolano”.
Também em 2017 o Bocoio registou confrontos pré- e pós-eleitorais entre militantes do MPLA e da UNITA. Conforme relatório da Plataforma Eleitoral da Sociedade Civil de Benguela, a 26 de Maio desse ano, a UNITA tentou estender a sua acção política na povoação da Balança e houve confrontos com os militantes do MPLA. Da acção, resultaram nove feridos entre os militantes do galo negro e oito feridos reclamados entre os militantes do partido no poder.
A 16 de Setembro de 2017, a passeata de celebração da vitória do MPLA, após as eleições de 23 de Agosto, terminou em confrontos com militantes da UNITA. Na altura, a ONG Omunga reportou 13 cidadãos feridos e ataques a 55 residências, com roubos e destruição de bens. A mesma ONG registou ainda a destruição de quatro cantinas, duas farmácias, duas viaturas, 14 motorizadas e mais o roubo de outras quatro, assim como de avultadas somas em dinheiro.
Este registo dá uma ideia clara de como a violência política também serve de capa para a delinquência.
Como parte dos seus esforços cívicos, na altura, a Omunga convidou o Maka Angola e o jurista Fortunato Paixão para uma conversa “com a população do Monte Belo sobre a situação dos direitos humanos enquanto estratégia para a promoção da paz e respeito pela diferença”.
“No encontro, estiveram presentes mais de uma centena de populares, incluindo autoridades tradicionais de todas as aldeias do Monte Belo, representantes do Estado, dos partidos políticos e entidades religiosas.”
Foi nesse encontro que tomámos conhecimento do caso da secretária da ala feminina de um partido que queimou a sua irmã por esta ser secretária da ala feminina de outro partido. A irmã agressora esteve presente no acto.
Ouvimos vários testemunhos de famílias que se dividiram e se incompatibilizaram por causa da partidarização das suas vidas. No Bocoio, vários dirigentes locais do MPLA e da UNITA são membros de primeiro grau da mesma família.
O que impele as pessoas a este tipo de violência não são os partidos, mas a maldade que reside em cada indivíduo; e a verdade é que os líderes políticos muitas vezes acicatam os seus militantes, encorajando-os a exprimirem os piores sentimentos contra os seus próprios familiares e concidadãos.
Hoje em dia, tais actos de intolerância política são incompreensíveis, na medida em que, ao nível das elites, o trânsito entre partidos parece ter sido normalizado. Viu-se como Tchizé dos Santos, cujo pai deteve o reino do MPLA durante 38 anos, activamente fez campanha a favor da UNITA. Da mesma maneira, Tão Kanganjo Sakaíta, um dos filhos de Jonas Savimbi (fundador da UNITA), apelou ao voto no MPLA.
Mais uma vez, assim se constata que continuam a ser os pobres quem se autodestrói, em nome de políticos que, por seu turno, usam os partidos mais para serventia dos seus interesses pessoais do que dos interesses das comunidades que dizem representar.
Notam-se, nos actos de violência no Monte Belo, a negligência das lideranças quer da UNITA quer do MPLA, pois ambas falham em providenciar uma resposta inequívoca na defesa das vidas humanas. Só emitem comunicados quando a narrativa joga a seu favor, ou quando lhes interessa desempenhar o papel de vítimas.
O recente despacho do chefe do Estado-Maior General para a passagem das Forças Armadas Angolanas (FAA) à situação de “prontidão combativa, após a realização das eleições” revela o elevado grau de tensão política no país e o espectro da violência a rondar. O despacho considera imperiosa “a tomada de medidas preventivas, por forma a evitar-se incidentes que perturbem a ordem e tranquilidade públicas, bem como proporcionar a manutenção da defesa e segurança do território nacional, após a realização das eleições, com particular incidência na província de Luanda”. Seria bom que também este ciclo chegasse definitivamente ao fim.
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